O
LETRAMENTO DIGITAL E A INCLUSÃO SOCIAL
Josué Geraldo Botura
do Carmo[1]
Fevereiro/2003
BUZATO[2] (2003) vai definir
letramento digital (LD) como sendo "o conjunto de conhecimentos
que permite às pessoas participarem nas práticas letradas mediadas
por computadores e outros dispositivos eletrônicos no mundo
contemporâneo". O letramento digital é mais que o conhecimento
"técnico": uso de teclados, interfaces gráficas e
programas de computador...
Ele inclui ainda a habilidade para
construir sentido a partir de textos multimodais, isto é, textos que
mesclam palavras, elementos pictóricos e sonoros numa mesma
superfície. Inclui também a capacidade para localizar, filtrar e
avaliar criticamente informações disponibilizadas eletronicamente.
E ainda a familiaridade com as "normas" que regem a
comunicação com outras pessoas através do computador - CMC[3],
entre outras coisas. Não se trata apenas de ensinar a pessoa a
codificar e decodificar a escrita, mas de inserir-se em práticas
sociais nas quais a escrita tem um papel significativo, esse tipo de
conhecimento se constrói na prática social e não na aprendizagem
do código por si só. A inclusão social digital só se dará se
houver práticas sociais usando o computador, que leve as pessoas,
aos poucos, de forma autônoma, a desenvolver as habilidades
necessárias. Podemos observar que a escrita tem chegado às crianças
cada vez mais através de dispositivos eletrônicos incorporados às
práticas sociais, desde a televisão. Adultos iletrados usam a urna
eletrônica, os cartões magnéticos e os caixas automáticos
utilizados nos programas sociais do governo. Os agentes de
alfabetização, segundo o entrevistado, são levados a incorporar
práticas letradas mediadas por dispositivos eletrônicos no processo
de alfabetização. A escola precisa incorporar essas práticas
naturalmente e o entrevistado acha que isso deve começar com os
professores. É preciso que o professor sinta que o computador é uma
forma de ele se valorizar como profissional e como cidadão. O
professor tem que estabelecer uma relação diferente com os alunos.
Ele tem geralmente menos habilidades no manuseio do computador que
seus alunos, mas ele tem mais habilidades para selecionar informações
e filtrá-las para serem usadas naquele momento, para aquele
determinado estudo. O professor tem que ter uma atitude flexível e
corajosa diante da informática aplicada à educação para poder
propiciar uma atmosfera de colaboração e co-investigação com seus
alunos. E lembrar sempre que uma forma não exclui a outra, mas
acrescenta. Vamos trabalhar sim com o hipertexto digital, mas vamos
continuar escrevendo em letra cursiva e lendo livros impressos ou
outros documentos.
Selfe[4] (1989) sugere, segundo o
autor, que, para interagir de forma eficiente com/via textos no meio
eletrônico, o usuário necessita dominar uma série de normas
específicas, as quais denomina "gramáticas", próprias
desse meio, ou seja, um conjunto de regras que regem a construção
de sentidos na leitura e na escrita mediadas por computador. Para
essa autora, o teclado, a tela, os programas de processamento de
texto, as impressoras, a WWW, todas essas possibilidades de uso do
computador possuem diferentes conjuntos de regras que se acumulam, em
camadas, sobre o letramento tradicional, e que redundam numa mudança
da maneira como a sociedade concebe texto nos dias de hoje.
No texto impresso, a página é uma
unidade estrutural do texto representada espacialmente, a qual não
muda com o tempo, e isto nos dá a possibilidade de avaliar a
extensão e a complexidade formal do texto como um todo antes mesmo
de lê-lo, na tela do computador é diferente, é uma unidade
virtual, nela o texto está estruturado em janelas estabelecidas
temporariamente. O leitor de texto eletrônico não conta com uma
série de pistas espaciais e contextuais das quais dispõe o leitor
do texto impresso e não pode, de antemão, tomar contato com a fonte
informativa como um todo. Dessa forma o leitor do texto eletrônico
tem que ser capaz de registrar individualmente as páginas que lê em
sua memória ou lançar mão de recursos de indexação do programa
que permitam o registro da trajetória da leitura, o que torna o
problema da navegação pelo texto muito mais complexo no meio
eletrônico do que no meio impresso tradicional.
Para o autor o iletrado digital seria
aquele indivíduo não familiarizado minimamente com o sistema
simbólico que permite manipular o computador. Um iletrado eletrônico
seria incapaz de atribuir um sentido, ainda que errôneo, a uma
palavra qualquer na tela do computador. Essa definição acarreta que
o iletrado eletrônico é, a rigor, também um iletrado alfabético,
pois, ao menos no presente momento, a tela do computador mimetiza boa
parte das convenções associadas à página impressa. Logo, a menos
que sejam analfabetas - no sentido tradicional - a maioria das
pessoas não familiarizada com a escrita cibernética, mas que conte
com ao menos um grau mínimo de letramento alfabético, está mais
apta a ser considerada semiletrada do ponto de vista eletrônico.
Semiletrados eletrônicos seriam
aqueles indivíduos que, já dispondo do letramento alfabético,
adquiriram no mínimo algumas das camadas gramaticais que permitem a
interação com textos no meio eletrônico. Estas pessoas conseguem,
ao menos, trazer o texto à tela identificar o significado de boa
parte das teclas, reconhecer títulos, parágrafos e outros elementos
do texto na tela que de alguma forma mimetizam convenções do texto
impresso tradicional sem contudo serem capazes de usar esses
elementos de maneira adequada ao meio em todas as situações. O que
falta ao semiletrado é justamente uma série de convenções
peculiares ao meio eletrônico, sem as quais ele é incapaz de
efetivamente construir sentido a partir do que está na tela.
Justamente por basear-se preponderantemente na camada básica, isto
é, a do letramento alfabético, o semiletrado eletrônico tende a
confundir traços de gêneros impressos e gêneros eletrônicos e,
possivelmente, sente-se mais à vontade utilizando o computador como
um recurso adicional à escrita alfabética.
O letrado eletrônico seria aquele que
dispõe não só de conhecimento sobre propriedades do texto na tela
que não se reproduzem no mundo natural como também sobre as regras
e convenções que o habilitam a agir no sentido de trazer o texto à
tela. E é capaz ainda de interagir com uma gama ampla de textos e
está mais apto a adquirir conhecimento sobre novos tipos de texto e
gêneros discursivos no meio eletrônico. Da mesma forma que não há
letramento pleno em se tratando de texto impresso, mesmo pessoas
letradas eletronicamente são iletradas para textos que não fazem
parte de sua prática. Em outras palavras, também no meio
eletrônico, é de se esperar que o leitor esteja mais apto a
interagir com certos textos do que com outros. No entanto, neste
estágio de letramento eletrônico, o domínio das normas que regem a
construção de sentido dos textos com os quais já sabe lidar pode
servir como um "andaime" para a aprendizagem de novos
gêneros.
Vamos encontrar assim pessoas que
sentem necessidade de redigir textos com lápis e papel e
posteriormente transferi-los para a tela, ou de imprimir textos
eletrônicos para que possam ser lidos no papel, separando camadas,
de modo a concentrarem-se primeiro naquela camada básica que já
dominam no letramento alfabético, e depois nas camadas associadas ao
manuseio da máquina, nas quais são menos fluentes.
Para o autor é fundamental ressaltar
que as várias camadas gramaticais vão se fazendo necessárias
apenas em função dos diferentes usos e propósitos que cada
indivíduo tem dentro ambiente cibernético.
BUZATO (2003) vai dizer que o Brasil
não vai se "incluir" no mundo se não cuidar da inclusão
social em todos os sentidos. O letramento digital é fundamental para
que as pessoas possam fazer uso dos mecanismos de participação que
a Internet propicia e que os governos começam a utilizar. É como se
a informática fosse uma segunda língua. Uma outra forma de vida
está sendo construída, em que a tônica é a interatividade. Todos
terão acesso à informação e à participação: "Como votou o
deputado que eu elegi aquele determinado projeto?" "Quais
os concursos do setor público estão abertos para inscrição?"
"Quais as vagas nas escolas públicas?" "Como posso
conseguir uma bolsa de estudos?" São informações de fácil
acesso na Internet. Questões de banco, assuntos de repartições
públicas, poderão facilmente ser resolvidos pela Internet, 24 horas
por dia, e sete dias por semana. E que bom se a maioria da população
puder ter acesso a esse serviço. O que não podemos esquecer é
que letramento é uma prática social e não aprendizagem de um
código. Temos que promover o letramento digital até nos tornarmos
competentes nisso e podermos dialogar com o mundo de igual para
igual. Para isso é preciso criar uma "comunidade de prática"
para que as pessoas possam ir se interagindo nos usos das novas
tecnologias. "Acho importante mostrar para o professor que para
aprender a lidar com o computador é preciso interagir com pessoas
que sejam “fluentes” no uso da máquina e não só com a máquina.
Essas pessoas podem muito bem ser os próprios alunos”...(BUZATO,
2003).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUZATO, Marcelo E. K. Letramento
digital abre portas para o conhecimento. EducaRede. Entrevista por
Olivia Rangel Joffily. 23/01/2003
<www.educarede.org.br>
Acesso em 14.02.03
BUZATO, Marcelo E. K. O letramento
eletrônico e o uso do computador no ensino de língua estrangeira: o
caso Tereza - trabalho sobre letramento digital apresentado por
Marcelo Buzato no 11º Intercâmbio de Pesquisa em Lingüística
Aplicada, São Paulo, em maio de 2001
<http://planeta.terra.com.br/educacao/mbuzato/articles/inpla.htm>
Acesso em 14.02.03
[1] Pedagogo
com habilitação em Administração Escolar de 1º e 2º graus e
Magistério das Matérias Pedagógicas de 2º grau. Professor
Facilitador em Informática Aplicada à Educação pelo PROINFO-MEC-
NTE-MG2
[2] Marcelo Buzato é mestre em
Lingüística Aplicada pela Unicamp. Trabalhou em diversos institutos
de idiomas e é autor de material didático eletrônico para ensino
de línguas via Internet. Atualmente leciona em universidades,
trabalha em seu projeto de doutorado e presta consultoria na área de
ensino a distância.
[3] Comunicação Mediada por
Computador
[4] SELFE, C. Redefining Literacy: The
Multilayered Grammars of Computers. In: HAWISHER, GAIL E. &
SELFE, C. (Eds.) Critical Perspectives on Computers and Composition
Instruction. New York: Teachers College Press. 1989. (pp. 3-15)
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